Estilos de aprendizagem é um mito segundo as neurociências

Responda rapidamente você aprende melhor ouvindo, lendo ou tocando em algo? Quem nunca ouviu falar que as pessoas têm diferentes “estilos de aprendizagem” e, portanto devem ser ensinadas de diferentes maneiras que favoreçam esses estilos? Mas e se eu te contar que isso não passa de um grande mito?

Não é incomum que você já tenha ouvido falar sobre os diferentes “estilos de aprendizagem” e até acredite que esse é um conceito válido baseado em evidências científicas, mais especificamente evidências das Neurociências. Entretanto, na realidade essa ideia de que os alunos aprendem de forma diferente dependendo da sua preferência pessoal por informações visuais, auditivas ou cinestésicas é apenas um mito.

Na verdade, essa ideia é considerada como um “neuromito”, que, como Paul Howard-Jones, professor de neurociência e educação na Universidade de Bristol, escreveu em um artigo de 2014 sobre o assunto, é caracterizada por um mal-entendido, leitura errada, ou citação errônea de fatos cientificamente estabelecidos.

Segundo Howard-Jones muitos desses mitos sobre o cérebro têm persistido em escolas e colégios por muitas décadas, sendo frequentemente usados para justificar abordagens de ensino ineficazes. (Howard-Jones, 2014).

A verdade é que entender as pesquisas em Neurociências nem sempre é fácil, e na tentativa de “traduzir” os resultados para que mais pessoas entendam, alguns equivócos podem gerar mais problemas do que soluções.

Outros exemplos de neuromitos incluem por exemplo a falsa ideia de que nós utilizamos apenas 10% do nosso cérebro, ou que beber menos de 6 a 8 copos de água por dia pode fazer com que nosso cérebro encolha. Howard-Jones afirma que: “Talvez o (neuro) mito mais popular e influente é que um aluno aprende de forma mais eficaz quando ele é ensinado de acordo com o seu estilo de aprendizagem preferido”.

“Talvez o (neuro) mito mais popular e influente é que um aluno aprende de forma mais eficaz quando ele é ensinado de acordo com o seu estilo de aprendizagem preferido”.

Estudos em diferentes países têm mostrado que essa é uma crença muito forte principalmente entre educadores. Em 2012, Dekker, Lee, Howard-Jones, & Jolles, pediram a 242 professores do Reino Unido e dos Países Baixos para distinguir entre neuromitos e fatos cientificamente comprovados. O conceito de estilos de aprendizagem (auditivas, visuais, cinestésicas) foi identificado como sendo o fato mais confiável, embora seja na verdade um grande mito: Cerca de 93% dos professores do Reino Unido e 96% dos professores dos Países Baixos acreditaram que se tratava de uma verdade. Curiosamente o segundo mito mais confiável, também é amplamente divulgado como verdade e é a ideia de que ter o lado esquerdo ou direito dominante afeta a aprendizagem.

Philip Newton (2015), professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Swansea, procurou por artigos disponíveis gratuitamente em bancos de dados de pesquisa sobre o tema “estilos de aprendizagem”, para verificar o que professores podem encontrar se fizerem a mesma pesquisa na internet. Ele descobriu que, embora os estudos não discutissem as evidências de que a ideia de “estilos de aprendizagem” é um mito, nem apresentassem provas de sua existência, 94% dos trabalhos de pesquisa atuais começavam com uma visão “positiva” de estilos de aprendizagem, como se fosse algo que realmente ajudasse na educação.

“Estilos de Aprendizagem não funcionam, mas a literatura de pesquisa atual é cheia de artigos que defendem a sua utilização. Isso prejudica a educação como um campo de pesquisa e, provavelmente, tem um impacto negativo sobre os alunos”, escreveu Newton (2015) em seu artigo na revista Frontiers in Psychology.

A evidência contraria aos “estilos de aprendizagem” é convincente. Em 2004, Frank Coffield, professor de educação na Universidade de Londres, realizou uma pesquisa (veja aqui) sobre os 13 modelos mais populares de estilos de aprendizagem e descobriu que não havia provas suficientes para atender as técnicas de ensino para os diversos estilos de aprendizagem. E um estudo de 2008 (veja aqui) por Harold Pashler, professor de psicologia na Universidade da Califórnia em San Diego, foi contundente. Apesar da preponderância do conceito de estilos de aprendizagem “do jardim de infância à pós-graduação”, e uma “próspera indústria” dedicada a elaborar esses guias para professores, Pashler encontrou que não havia provas rigorosas para esse conceito. Ele escreveu:

“Embora a literatura sobre estilos de aprendizagem seja enorme, muito poucos estudos têm até mesmo usado uma metodologia experimental capaz de testar a validade dos estilos de aprendizagem aplicados à educação. Além disso, daqueles que usavam métodos apropriados, vários encontraram resultados que, declaradamente contradizem a hipótese encontrada comumente. Concluímos, portanto, que, neste momento, não há nenhuma base factual suficiente para justificar a incorporação de avaliações de estilos de aprendizagem nas prática educacionais em geral.”

Então como é que uma falsa crença tornar-se tão amplamente sustentada? Em seu artigo sobre o assunto para Nature Reviews Neuroscience, Howard-Jones argumenta que não é um resultado de fraude, mas de “interpretações desinformadas de fatos científicos genuínos.” A suposição por trás dos mitos de aprendizagem parece ser baseada no fato científico que as diferentes regiões do córtex têm diferentes papéis no processamento visual, auditivo e sensorial, e assim os alunos poderiam aprender de forma diferente “, segundo a qual parte de seu cérebro funciona melhor.” No entanto, escreve Howard-Jones, “a interconectividade do cérebro faz tal suposição infundada.”

Os neuromitos surgem, Howard-Jones argumenta, em parte devido à barreira da linguagem técnica que faz os trabalhos de neurociência de difícil compreensão para os não-especialistas, e devido à simplificação das ideias científicas complicadas. Esses mitos são então ” promovidos pela vítimas de seu próprio pensamento positivo” que são sinceras, mas iludidas em sua crença de que alguma teoria excêntrica vai “revolucionar a ciência e a sociedade”, escreve ele.

E esses mitos podem florescer em culturas onde as crenças sobre o cérebro não estão sujeitos ao escrutino científico em curso – é raro, apesar de tudo, que os métodos de ensino de um sala de aula sejam rigorosamente testados cientificamente e por um observador.

E, finalmente, parece que muitas pessoas simplesmente querem acreditar nos mitos de aprendizagem. Depois que Coffield publicou seu estudo em 2004, ele disse ao jornal The Guardian, “Abordagens de baixo custo que podem ser facilmente implementadas em sala de aula certamente podem cultivar a esperança entre os educadores, especialmente se elas são divertidas e, portanto, susceptíveis de ser bem recebidas pelos alunos.”

Cabe então uma última reflexão sobre a importância de sempre checar as fontes de informação. Não é por algo recebe um rótulo de “neurocientífico” ou “baseado em evidências de pesquisas” que a informação é verídica, é preciso conferir quem foi que disse e baseado em que tipo de pesquisas.

Esse texto foi adaptado do original publicado em: http://qz.com/585143/the-concept-of-different-learning-styles-is-one-of-the-greatest-neuroscience-myths/

Referências:

Dekker, S., Lee, N. C., Howard-Jones, P., & Jolles, J. (2012). Neuromyths in Education: Prevalence and Predictors of Misconceptions among Teachers. Frontiers in Psychology, 3(October), 1–8. http://doi.org/10.3389/fpsyg.2012.00429

Howard-Jones, P. A. (2014). Neuroscience and education: myths and messages. Nat Rev Neurosci, 15(12), 817–824. Retrieved from http://dx.doi.org/10.1038/nrn3817

Newton, P. (2015). The Learning Styles myth is thriving in higher education   . Frontiers in Psychology     . Retrieved from http://www.frontiersin.org/Journal/Abstract.aspx?s=346&name=educational_psychology&ART_DOI=10.3389/fpsyg.2015.01908

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