Como se constrói uma carreira acadêmica?

Quando uma pessoa decide cursar uma faculdade de Psicologia, geralmente existem algumas motivações comuns. Ao dar as boas-vindas aos alunos de primeiro semestre e questioná-los sobre o que os levou a cursar Psicologia, ouvimos respostas bastante típicas: “dou bons conselhos para meus amigos”, “gosto de ajudar as pessoas”, “quero entender o comportamento ou a mente humana”, e tem aqueles que confessam que o objetivo é entender a si mesmo e lidar melhor com algumas questões. 

Aqui abro um parêntese: quando a motivação é entender a si mesmo, sai mais barato contratar o serviço de um psicólogo em vez de querer se tornar um. Quando você decide construir uma casa, por exemplo, você não vai cursar uma faculdade de Engenharia e arriscar um “faça você mesmo”, certo? Ao contrário, você paga a alguém que, de preferência, seja experiente no assunto. Então, por que fazemos isso conosco? Fecha parêntese. 

Voltando ao assunto, essas costumam ser as principais motivações de uma pessoa que decide se tornar psicólogo. 

Por mais distorcidas que sejam, essas características atribuídas ao trabalho do psicólogo estão associadas principalmente à atividade clínica, mais especificamente de um psicoterapeuta. Embora essa realidade esteja começando a mudar, tal associação ainda é muito comum. 

Muitos que decidem se tornar psicólogos passaram por um processo psicoterapêutico em algum momento da vida e, encantados com a ajuda que receberam de algum profissional, desejam proporcionar isso a outras pessoas. 

Uma parcela menor, mas que tem crescido cada vez mais, ingressa na faculdade com outros interesses, aspirando, por exemplo, atuar na área organizacional, esportiva, hospitalar, etc. Mas confesso que nunca conheci alguém que entrou na faculdade com o intuito de se tornar professor de Psicologia. Você conhece?

Comigo não foi muito diferente. Entrei no primeiro ano de Graduação desejando me tornar uma psicóloga clínica, pois já tinha feito psicoterapia quando criança e me interessava muito sobre assuntos relacionados ao comportamento humano, subjetividade, etc.

Não entrei na faculdade com o objetivo de me tornar professora, mas, apenas dois anos e meio depois de ter saído da Graduação, lá estava eu encarando uma sala de aula em uma universidade com o maior entusiasmo e frio na barriga. 

E aí você me pergunta: quando foi que você decidiu isso? Pra dizer a verdade, eu não sei dizer quando, mas posso compartilhar com vocês como foi esse processo. 

Levando em conta as motivações de uma pessoa que decide cursar Psicologia, acho que o interesse pela carreira acadêmica não costuma ser despertado logo no início da Graduação. Mas também penso que não é uma decisão repentina, que se toma de uma hora para outra. Acredito que o interesse começa a surgir conforme você avança no curso. A conscientização desse desejo pode até ser um momento de insight que faz você pensar “é isso, quero ser professor!”, mas talvez o processo já estivesse ocorrendo ali, de alguma forma, sem que você percebesse. 

No meu caso, um dos fatores que me levou em direção à carreira acadêmica foi o fato de gostar de estudar e de aprender. Isso me levou a descobrir primeiro a monitoria e depois a Iniciação Científica (IC). 

Sinceramente, eu não sabia no que isso poderia dar a longo prazo. Sabia que as duas atividades seriam diferenciais no meu currículo, que aprenderia coisas interessantes e que certamente isso me ajudaria de alguma forma no futuro. Mas não eram parte de um plano bem definido do tipo: “quero ser professora e a IC e a monitoria me ajudarão nisso!”.

Eu sempre pensava em termos de enriquecimento do currículo e de aprendizado, nada mais. Já que cursava faculdade em período integral e não buscaria um estágio remunerado, sabia que precisava arranjar algum meio de adquirir experiências e ter algum diferencial no mercado. 

E, de fato, essas experiências foram muito importantes para minha formação. Como monitora, eu tinha contato com os professores além da sala de aula e estabelecia um outro tipo de relação com eles, também tinha contato com alunos calouros e tinha a oportunidade de revisar a matéria que já havia estudado, de ensinar algumas coisas que já havia aprendido, corrigia trabalhos, etc. Além disso, algumas monitorias eram remuneradas, então eu recebia um valor simbólico por meio de desconto na mensalidade (mas que já ajudava) pelo trabalho que executava. 

Também não busquei a IC porque queria ser pesquisadora ou professora. Eu mal sabia o que era pesquisa no terceiro ano de faculdade, quando me candidatei a uma vaga. Sim, já tinha ouvido falar, os professores ensinavam e tal, mas falo de saber mesmo, de entender de verdade o que era aquilo, de “colocar a mão na massa”, entende?

Eu sabia apenas que era “bom para o currículo”. Era o que as pessoas diziam. Se era bom para o currículo e diziam que eu tinha perfil, achei que não teria nada a perder, seria um diferencial. Soube de uma vaga num grupo de psicologia humanista, que era do meu interesse e lá fui eu. Desenvolvi dois projetos e fui tomando gosto pela coisa. Sim, era estressante ter que escrever, cumprir prazos, lidar com burocracias que a maioria dos colegas da turma nem sabia que existiam e, por isso, não tinha com quem trocar informações. Mas os ganhos superavam, de longe, as dificuldades. 

O ambiente acadêmico me agradava. O contato que tive com os psicólogos do grupo de pesquisa no qual desenvolvi os projetos também me ajudou muito a amadurecer como psicóloga, afinal eram todos mais velhos que eu, já formados e com experiência na área. Alguns já eram professores ou tinham interesse em dar aulas, e isso foi me instigando. Conclusão: saí da faculdade com a certeza de que queria fazer Mestrado e ser professora universitária. Aí sim optei pelo Mestrado consciente do que ele me proporcionaria, diferente das monitorias e da IC.

Esse foi o meu trajeto e não significa que todos precisam seguir os mesmos passos. O ponto aonde quero chegar é que a carreira acadêmica é construída como outros tipos de carreira, ou seja, aos poucos, a partir de “pequenas” escolhas, de opções que vamos fazendo e de postura que adotamos ao longo de nossa trajetória profissional. 

Em geral, se você está na Graduação e acha que pode se interessar pela docência, buscar monitoria e Iniciação Científica ajudam muito nesse processo. Se você já terminou a faculdade e não fez Iniciação Científica, nem tudo está perdido. Vários colegas ingressaram no Mestrado sem ter tido a experiência de uma Iniciação Científica ou de um Projeto de Extensão e atualmente estão cursando Doutorado, felizes da vida. 

Ingressar no Mestrado não significa que você necessariamente precisa dar aulas quando receber seu título. O Mestrado não serve apenas para isso – em um texto futuro, falarei sobre o que essa formação proporciona além da habilitação para a docência. Você pode cursar um Mestrado e nunca mais pisar numa universidade. Em alguns programas, o estágio em docência é obrigatório durante o Mestrado, mas não em todos. É uma formação que exige (bastante) intelectual e emocionalmente do aluno, mas é extremamente enriquecedora.

Você pode optar por ser professor e não desejar ser pesquisador. Mas o inverso é praticamente impossível quando estamos falando de ser pesquisador na área de Psicologia no Brasil, já que não temos Institutos de Pesquisa fora do âmbito educacional. O ideal é que ensino e pesquisa caminhem juntos, pois é o desenvolvimento científico que sustenta um ensino de qualidade.

De qualquer forma, para tornar-se professor universitário você precisa ter no mínimo uma Pós-Graduação lato sensu (Especialização), mas as universidades têm exigido uma formação mais específica, que é a Pós-Graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado). Essas últimas oferecem ao aluno uma formação mais específica voltada ao ensino e pesquisa, que são extremamente importantes na sala de aula. 

O Mestrado seria o primeiro grande passo de uma preparação para a docência e para a pesquisa ao mesmo tempo. O que ocorre é que muitas universidades privilegiam a pesquisa e dão pouco suporte à formação docente. Preparam seus alunos para se tornarem pesquisadores, mas pouco se preocupam em torná-los professores.

É claro que isso varia de programa para programa, cursar um Mestrado não significa que receberá uma boa formação docente. Deveria, mas não é assim.

Gosto da ideia de que o caminho se constrói ao caminhar. Portanto, não existe um caminho único ou ideal para se tornar professor ou seguir uma carreira acadêmica. Conheço pessoas que começaram a lecionar como professor assistente, outras com especialização. Umass porque receberam convite, outras porque perseguiram esse objetivo até conseguir uma oportunidade.

A formação é essencial, mas acredito que existam outras coisas que também são importantes na construção da carreira acadêmica e do processo de se tornar professor. Pode chamar de competências ou dar o nome que desejar, mas um Professor não se faz apenas com um diploma de Mestrado. 

É preciso preocupar-se com a formação, estar atento às necessidades do aluno. E isso eu aprendi enquanto ainda era aluna, observando meus professores. Sempre admirei alguns deles pelos profissionais que eram. Eu me espelhava neles, afinal eram psicólogos experientes, que “deram certo” em meio a tantos outros que ouvia dizer que abandonaram a profissão porque o mercado estava saturado ou coisa do gênero. 

Eu percebia que, embora fossem de áreas e abordagens distintas, esses professores que eu admirava tinham alguns pontos em comum: eles se destacavam e eram admirados pela forma como ensinavam, atualizavam-se e estavam sempre aprendendo; preocupavam-se com os alunos e com o ensino, eram exigentes, provocavam os alunos a pensar, levavam a profissão que exerciam a sério. Coincidência ou não, costumavam ser os mais lembrados e respeitados pelas turmas ano após ano.

Sem dúvida esses professores exerceram uma grande influência sobre minha formação como psicóloga e também no meu interesse em ser professora. Então, por tudo isso, eu digo que não sei exatamente quando eu decidi seguir a carreira acadêmica e ser professora. Mas todas essas experiências me levaram a isso. 

Talvez a essa altura do texto você deva estar se perguntando: como saber se tenho vocação para docência? 

Não sei ao certo, mas minha dica é: observe. Observe seus interesses e habilidades. Se você gosta de ler, escrever e ensinar; se você se preocupa com a sua profissão e com a qualidade da formação dos profissionais que entram no mercado; se busca sempre aprender e se atualizar, acredito que tem grandes chances de gostar da atividade docente (com todas as suas mazelas – sim, elas existem) e ser um ótimo professor. 

Assim como muitas outras coisas na vida, não há como prever se a carreira acadêmica é ou não uma boa para você sem que tenha experimentado algo nesse sentido. Acredito que só aprendemos as coisas quando vivenciamos. Quando entrei na sala de aula pela primeira vez, eu não sabia se seria uma boa professora, não sabia muita coisa sobre a atividade docente e ainda tenho muito a aprender. Podia fantasiar como era estar em uma sala de aula, mas nem de longe podia prever o que já vivi em tão pouco tempo de experiência. É na medida em que atuo como professora que me torno professora. E posso dizer com toda a certeza que tenho amado esse processo!

Portanto, experimente!

Ah, e ter medo de falar em público não é motivo para descartar definitivamente a possibilidade de ser professor, ok? Mas falemos disso outro dia, porque já me estendi demais.

Deixe seus comentários e dúvidas sobre o texto ou sobre carreira acadêmica em geral para conversarmos, ok?

Até a próxima!

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