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Todo mundo é um pouco psicólogo, só que não!

Todo mundo é um pouco psicólogo, só que não!

Você já se perguntou por que os livros de Psicologia ficam próximos ou até mesmo juntos dos livros de autoajuda nas livrarias? Já parou para pensar por que muitas pessoas se “acham” psicólogos “só porque escutam muitos problemas dos outros e dão bons conselhos”? Você já escutou as diversas “associações” entre Psicologia e astrologia, Psicologia e florais, Psicologia e hipnose, Psicologia e meditação, Psicologia e misticismo, Psicologia e religião? Já viu os milhares de “testes psicológicos online” (sem nenhum fundamento, estudo ou propriedade psicométrica) de personalidade, amor, depressão, vidas passadas e tantos outros que aparecem no Facebook ou similares? Ou já leu ou viu os “grandes especialistas” em Psicologia (que nunca frequentaram um curso de Psicologia) que surgem nos muitos blogs e vídeos no Youtube?

Pois é, todo mundo é um pouco psicólogo, só que não! Existe uma velha expressão que diz “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”. Porém, se pararmos para pensar além disso, todo mundo também acha que “tem um pouco de psicólogo” ou que pelo menos entende um pouco de Psicologia. Mas será que sabe mesmo? Será que a Psicologia é realmente uma coisa tão simples que todo mundo conhece sem precisar estudar formalmente? Por que é preciso fazer 5 anos de faculdade de Psicologia, se todo mundo já conhece a Psicologia?

Para responder isso, precisamos diferenciar a “Psicologia” do Senso Comum da Psicologia Científica. É consenso que a Psicologia Científica surge com a criação do laboratório de Psicologia experimental de Wilhelm Wundt em Leipzig, na Alemanha, em 1879. Assim, a Psicologia como uma ciência tem aproximadamente 140 anos. Como uma profissão legalizada no Brasil, sabemos que a Psicologia tem seu marco com a promulgação da lei 4.119 de 27 de agosto de 1962. Por isso, a Psicologia tem  60 anos de existência como profissão regulamentada no Brasil.

Mas será que não existia Psicologia antes disso tudo? Aí sim, entramos no conceito de “Psicologia” do Senso Comum. Algumas das ideias psicológicas são tão antigas quanto o próprio ser humano. Questões como: “de onde viemos?”, “quem somos?”, “por que e como pensamos?”, “como nos relacionamos?”, “como nos desenvolvemos?”, “como podemos melhorar a Educação?”, entre outras, são antiquíssimas e envolvem o funcionamento psicológico – aliás, não só essas questões como também as ideias e explicações para essas perguntas. Explicações como a Alma, o papel das emoções, da personalidade, da punição e das recompensas, da mente, são ideias anteriores à Psicologia, mas transformadas por ela. Transformadas, pois, como ciência, a Psicologia não se pauta por crenças e ideologias, mas sim por evidências.

Vamos pensar um pouco sobre isso. Sua avó podia conhecer vários remédios caseiros, frutos da tradição e experiência, mas nem todos esses remédios realmente funcionavam e alguns deles podem até mesmo ser prejudiciais, não é? Como é que distinguimos entre os bons e os maus remédios? Saindo do conhecimento da vovó, do conhecimento popular, e estudando cientificamente os remédios. Buscando entender os efeitos de diferentes dosagens, efeitos dos remédios sobre diferentes doenças, efeitos colaterais, toxicidade. etc. Para isso existe o método científico: para reduzir as taxas de erros e falhas conhecimento intuitivo, e se aproximar da previsibilidade e do controle das ações, comportamentos e consequências.

Ou seja, é preciso que nós tenhamos controle de que, todas as vezes em que se toma um remédio, ele terá uma porcentagem muito alta de funcionar e muito pequena de ser um veneno ou causar algum prejuízo à saúde de quem toma. Veja: estamos falando de previsibilidade, não de acerto. Assim como na Meteorologia, não é porque existe uma alta probabilidade de chuva hoje que vai realmente chover -embora quanto mais as ciências avançam, mais próximos de previsões mais acuradas nós ficamos. É para isso que a Psicologia se tornou ciência também: para estudar cientificamente as questões e ideias psicológicas já existentes e as novas que tÊm surgido, buscando ter uma certa previsibilidade e controle sobre os fenômenos psicológicos.

O que isso significa? Isso significa que um psicólogo não é aquele que tem um dom, uma dádiva, um talento natural, ou sabe a Psicologia do Senso Comum, mas sim alguém que estudou uma ciência que se baseia no método científico para investigar questões que são importantes para todos nós. Por isso, as decisões de psicólogos são, ou pelo menos deveriam ser, baseadas em ciência, não em crenças pessoais ou de entidades, grupos e partidos.

Assim, não é qualquer um que pode se considerar um psicólogo e sair falando em nome de uma Psicologia que não é científica. Além de ser incorreto, é danoso tanto para a imagem da Psicologia quanto para as pessoas que recebem informações erradas ou imprecisas. Os alegados “testes psicológicos” de internet, por exemplo, estão longe de ser um instrumento com real potencial de avaliação. É preciso muito estudo para criar testes psicológicos e também para aplicar e avaliar, não dá para sair rotulando qualquer enquete de teste psicológico. Livros de autoajuda podem até ajudar, mas na grande maioria não são baseados em Psicologia, são baseados nas opiniões do escritor, são tão corretos quanto os conselhos de qualquer pessoa que você encontrar na rua.

Há, todavia, dentre os próprios psicólogos, os que questionam o status de ciências da Psicologia e dizem que “não tem como controlar e predizer os fenômenos psicológicos em humanos”, mas na realidade isso mostra um conhecimento muito limitado da própria Psicologia Científica. É verdade que humanos são muito complexos, mas será que é mais complexo do que o universo? Do que criar computadores? Do que operar com precisão uma pessoa usando microcâmaras? Tudo isso é fruto de pesquisas em coisas complexas e, por mais tempo que demore para predizer com precisão os comportamentos humanos dada toda a variabilidade, sempre é possível predizer e controlar muita coisa com base no que já foi produzido na ciência psicológica, uma vez que boa parte do que fazemos é sim controlável e previsível. Como se evidencia nos estudos que mostram, por exemplo, o efeito de diferentes técnicas terapêuticas, que inclusive superam os efeitos de medicamentos em alguns casos.

Os conhecimentos produzidos pela ciência psicológica não são apenas hipóteses informais ou achismos baseados na experiência isolada das pessoas, mas sim evidências oriundas de rigorosos estudos que confirmaram ou refutaram ideias que até podem continuar sendo repetidas pelas pessoas sem que tenham um embasamento em evidências científicas. Por exemplo, é comum que ainda se acredite, em alguns lugares, que a punição é uma boa forma de educação, quando já sabemos há muito tempo, principalmente pelos estudos de B. F. Skinner, que a punição não é a melhor forma de modificação de comportamentos e que inclusive gera consequências adversas, como os comportamentos de fuga e esquiva.

Enfim, ainda hoje a imagem da Psicologia é permeada por essas crenças populares, e mesmo os psicólogos acabam se valendo muitas vezes dessas crenças e ideologias em detrimento da ciência psicológica. Não se engane de que realizar uma faculdade de 5 anos garante a aprendizagem completa de uma ciência tão vasta quanto a Psicologia. Até mesmo porque em muitas das faculdades a formação é muito rasa no que se refere ao ensino do método científico. Ao invés de os alunos aprenderem que teorias são conjuntos de hipóteses provisórias sobre os fenômenos e que, portanto, precisam ser questionadas e reformuladas sempre que necessário, eles aprendem que pessoas iluminadas, como Freud, Skinner, Piaget, Lacan, Jung e Vygotsky foram seres de luz (que você obviamente um mero mortal não pode questionar) e que descobriram toda a verdade do mundo com suas teorias as quais não podem ser questionadas. Dica fundamental: duvide de quem acha que qualquer teórico é infalível. Por princípio básico, todos que produzem conhecimento científico podem e devem ser questionados. Aliás, isso é tão fundamental que foi postulado por Karl Popper, o mais renomado filósofo da ciência, no que ele chamou de falseabilidade, isto é, uma teoria só pode ser considerada científica justamente quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Quando não se pode provar que uma teoria é falsa, ela não é científica.

Além disso, há um agravante no caso do Brasil no que se refere à compreensão da Ciência. Tradicionalmente os países colonizados pela Espanha e por Portugal têm uma tendência histórica a valorizar mais a religião e a filosofia como fontes de conhecimento em detrimento das Ciências. Essas raízes históricas são explicações possíveis para o fato de que aqui em terras tupiniquins a história da Psicologia começa nos cursos de Filosofia e Educação, e ainda hoje tem muito mais ligação com o campo da Filosofia crítica e da Sociologia, que empregam métodos distintos dos métodos experimentais. A compreensão de ciências para nós é ainda muito limitada e muitas vezes as pessoas acabam preferindo as explicações mais filosóficas ou “românticas” da Psicologia (como a de que a Psicanálise que não é uma ciência e oferece explicações grandiosas, por vezes irrefutáveis, e sem evidências consolidadas sobre os fenômenos psicológicos) a abordagens como a Comportamental (que se baseia em métodos experimentais rigorosos).

Para concluir, este texto é para convidar você a refletir sobre a importância do reconhecimento da Psicologia como uma ciência. Como tal, o que se baseia em Psicologia deve ser questionado à luz do método científico e não entendido como verdade absoluta. Para além disso, este texto também serve para que você possa refletir sobre o porquê há tanta confusão entre o que é o que não é Psicologia no Brasil e porquê o que acaba ganhando mais espaço na mídia é justamente aquilo que não é Psicologia. Os alunos de Psicologia e os psicólogos precisam aprender que estudar Psicologia é estudar uma ciência e não se filiar a um partido político. Lutemos não só pelas polêmicas e ideologias do momento, mas sim por uma Psicologia cada vez mais científica, que possa de fato contribuir para a melhoria na qualidade de vida das pessoas.

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