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Por que meditar?

Por que meditar?

Se você é daquele(a) que acha que meditação é algo feito no topo da montanha, com monges tibetanos que entoam mantras, e que você JAMAIS iria conseguir sentar em posição de lótus e que, portanto, obviamente nunca vai poder meditar…

Ou se você acredita piamente que suas práticas religiosas não incluem a meditação, que você não se identifica com o zen e que, portanto, nunca se beneficiaria da meditação…

Ou ainda, se você acha que a única solução para os seus problemas passa por muita medicação e terapia clássica, porque meditar serve unicamente para fins espirituais e o seu problema não passa perto disso…

BEM-VINDO! Você faz parte da imensa maioria das pessoas!

Mas como o frequente nem sempre é o ideal, e como o ideal é às vezes inimigo do real, eis uma boa-nova: pode pegar os parágrafos acima e incluí-los na enorme gama de mitos existentes sobre as práticas psicológicas, as técnicas meditativas e, principalmente, sobre as possibilidades de unir uma coisa à outra.

Sim: meditação tem tudo a ver com Psicologia. E o motivo é, na verdade, bem simples: ambas estão voltadas para o desenvolvimento humano, para a compreensão de nosso funcionamento mental e para a busca de uma maior qualidade de vida. A meditação tem sido cada vez mais estudada pelas ciências da saúde, e tem se revelado uma prática extremamente eficiente para uma enorme gama de problemas humanos.

Antes de mais nada, vamos deixar uma coisa claríssima: a meditação é um técnica, uma prática, e a Psicologia inclui muitas técnicas. Ou seja: a meditação não exclui a psicoterapia verbal clássica, mas está inclusa dentro dela com finalidades terapêuticas comuns. Esse pequeno lembrete é especialmente importante para aquelas pessoas que ainda possuem alguma dificuldade de visualizar quais pontos em comum as duas coisas possuem, e é justamente por este ponto que iremos iniciar.

MAS PRIMEIRO, ALGUMAS DEFINIÇÕES…

A palavra “meditação” é, há muitos anos, carregada de significados. Como exposto acima, ela é uma prática que advém de filosofias religiosas bastante antigas, e é exatamente devido a estas origens que ela vem sendo negligenciada pelas práticas ditas “científicas”.

Entretanto, nas últimas décadas, a meditação tem adquirido novos significados, e suas aplicações foram estendidas para muito além dos mosteiros e centros de yoga. Numerosos estudos tem se debruçado sobre tais aplicações, e os resultados são expressivos: os benefícios da meditação são robustos independentemente da associação desta prática a conteúdos religiosos.

Grosso modo, “meditar” significa “contemplar”. Neste contemplar, muitas coisas podem ser objeto de atenção – dentro da psicoterapia, os estados emocionais, os sintomas fisiológicos, o conteúdo e fluxo dos pensamentos são pontos de atenção de nosso interesse, que vêm adicionar à tradicional psicoterapia verbal outras formas de observação e novas maneiras de compreender o funcionamento humano.

Dentro de minha prática, e das novas correntes psicoterápicas comportamentais (as chamadas “3ª Onda”), a meditação mindfulness foi ganhando força, e não é raro que, atualmente, muitas pessoas já tenham pelo menos ouvido falar disso. Isso por vários motivos: tanto devido à sua eficácia cientificamente comprovada, quanto à viabilidade de aplicá-la ao cotidiano tumultuado em que vivemos.

“Mindfulness” tem sido traduzido como “atenção plena”, e alguns complementam: “presença absoluta”. Portanto, nesse sentido, meditar seria apenas estar atento, estar presente, estar conectado com o aqui-agora, seja lá se neste momento você está sentado em posição de lótus ou se você está cozinhando.

Estar atento quer dizer exatamente estar aberto e disponível para a experiência presente, envolvendo tudo aquilo que ela comporta: sentimentos, pensamentos, sensações, tudo aquilo que é captado pelos nossos sentidos e tudo aquilo que ocorre “dentro da pele”. Estar presente quer dizer apenas isso: estar onde se está. Quantas vezes você estava no trabalho, e sua cabeça estava em casa? Ou você estava na fila do banco, e sua cabeça no trabalho? E mais: quantas vezes essa “cabeça que voa” se focou em problemas futuros, ou passados, roubando sua capacidade de aproveitar o momento presente?

Esta “divisão” interna, o oposto de “estar mindful”, é frequentemente responsável por um estado de tensão permanente, ou de desatenção constante. Ainda pior: faz com que grande parte de nossos estados internos não nos seja “familiar”, afinal de contas, nós quase nunca ficamos em contato com eles, a não ser quando eles são bons (e olhe lá!). Quando se trata de estados emocionais aversivos, tudo o que NÃO queremos é prestar atenção nisso – nós queremos fugir, nos esconder, queremos que o sofrimento acabe ou entramos em uma série de racionalizações que visam explicar / resolver nosso problema.

Conforme o tempo passa, se torna bastante óbvio que fugir das próprias emoções não costuma dar muito certo. Ou às vezes até dá, mas cobra um preço bem alto: fuja uma vez e terá que fugir sempre! Esse processo, ao qual chamamos de esquiva experiencial, está correlacionado, de acordo com inúmeras pesquisas, a índices mais elevados de estresse. Na verdade, tem sido inclusive sugerido que a esquiva experiencial seria um dos componentes centrais dos transtornos de ansiedade – como no Transtorno de Pânico por exemplo, em que as reações físicas são tão assustadoras que podem, por si só, serem percebidas com ameaçadoras (um prenúncio de derrame, infarto etc). Este mecanismo aponta para uma má relação do indivíduo com suas próprias experiências emocionais – ou seja, com sua própria vida!

Saindo da teoria e voltando para a prática, quais seriam os benefícios de instalar práticas de atenção plena no dia a dia?

  • Redução do estresse, da ansiedade e de sintomas depressivos;
  • Ganho de atenção e concentração;
  • Redução da impulsividade e comportamentos compulsivos;
  • Mais qualidade de sono;
  • Redução da dor crônica, cefaleias e muitos outros processos dolorosos e inflamatórios.

Isto posto, começa a ficar bastante claro que, embora a princípio pareça justamente o contrário (que é se afastando das dores que se encontra a felicidade), é justamente no contato e na aceitação de nossas experiências emocionais aversivas que se encontra um caminho mais eficiente para a paz e para a qualidade de vida.

UM PEQUENO EXERCÍCIO

Procure se sentar de maneira confortável. Pode ser em uma cadeira, em um sofá, onde quer que você se sinta estável e acomodado o bastante para permanecer sem se mexer por algum tempo. Feche os olhos e, por 5 minutos, apenas perceba o que acontece. Não é preciso fazer mais nada – nem relaxar, nem respirar de determinada forma, nem visualizar nada. Apenas fique em silêncio, e perceba: o que você sente? Existem sensações físicas possíveis de se perceber? Como está o seu corpo? E suas emoções? Você está sentindo alguma coisa? Como é sentir isso? Como sua mente reage a essa percepção? Muitos pensamentos? Você “embarca” nestes pensamentos com facilidade? É possível não ceder a eles e continuar conectado ao seu corpo, experienciando tudo o que acontece dentro de você?

É bem possível que esses curtos 5 minutos lhe pareçam uma ETERNIDADE. É bem possível que você se sinta impaciente – opa, uma emoção a ser percebida. Ou pode ser que você “viaje” nas sensações, se perca em memórias, ou que simplesmente fique insistentemente pensando no que afinal você precisa fazer amanhã. Tudo isso é alvo de atenção. Tudo isso é você acontecendo. E muitas coisas podem ser desagradáveis – como a impaciência, dores físicas, e outras das infinitas possibilidades de experiência humana. TUDO alvo de atenção. Absolutamente tudo.

Não é de se surpreender que, portanto, começar a praticar a atenção plena possa exigir um grau alto de dedicação, disciplina e muita coragem (afinal, quem topa ficar prestando atenção na tristeza quando se está triste?). Entretanto, assim como a hora de se consertar o telhado é quando não está chovendo, a prática de mindfulness costuma ser mais fácil de se instalar quando você está em um estado emocional mais “neutro”. Assim, você pode iniciar pequenos exercícios no seu dia-a-dia, sem qualquer pretensão de alterar nenhuma emoção, apenas estando consigo mesmo e se observando, observando os seus sentimentos, seus pensamentos e sua forma de reagir a eles.

Pode parecer, a princípio, que isso não é “meditar”, especialmente se você carrega consigo ideias sobre a meditação que sejam pouco correspondentes com a realidade – como por exemplo, de que meditar é “esvaziar a cabeça”, “se iluminar” ou ter uma grande “revelação”. Pode ser que isso aconteça, como pode ser que não aconteça. Na verdade, essa não é a nossa primeira intenção, ao menos se estivermos considerando que estamos trabalhando nossa atenção e presenças absolutas, e nada mais.

Assim, um ponto fundamental dentro da prática é a sua expectativa. Curioso paradoxo: embora se espere que a meditação ajude você a ter mais qualidade de vida, na hora de praticar é mais recomendável que você se mantenha isento de ideias sobre o que deve e o que não deve acontecer. Isso porque nossa experiência emocional é tão variada e flutuante que pode ser que, num dia, a meditação traga paz e tranquilidade, e que no outro, você entre em contato com sentimentos aversivos. E se você se mantiver aberto à experiência, sem julgar, sem se assustar, sem se esquivar, poderá sentir que inclusive estas emoções desagradáveis tendem a amenizar com a prática contínua.

CONCLUINDO…

Se a meditação não tivesse algum efeito benéfico, muito provavelmente povos tão antigos e tradicionais como os chineses, japoneses, indianos etc não o fariam há tantos anos. Entretanto, por muito tempo, meditação e ciência andaram separados, como vizinhos inimigos que apenas habitavam o mesmo condomínio sem ter nada em comum entre si.

Pois bem: para nosso benefício, essa era finalmente chegou ao fim e a meditação por fim fez as pazes com as demais práticas científicas. Tudo isso aponta para uma coisa só: a enorme necessidade que o ser humano tem de estar mais próximo de si mesmo, de brigar menos com a realidade, de viver em maior harmonia com o mundo externo e também o interno.

Felizmente, não é necessário que você seja budista nem que frequente um templo para começar a meditar (muito embora eu diga para que você faça isso, caso sinta em seu coração esse desejo). O mindfulness está pipocando por aí e, se você jogar no Google, vai encontrar pelo menos uma dúzia de profissionais que já fazem uso da técnica como uma proposta clara dentro da psicoterapia: para lidar melhor com as emoções (as suas e as alheias), primeiro você precisa conhecê-las. E para conhecê-las, é necessário passar mais tempo consigo mesmo.

Atualmente, existem diversos institutos que se dedicam a estudar e a oferecer o mindfulness como prática psicoterápica. Você pode pedir uma indicação a um profissional de sua confiança e, talvez com um misto de amor e medo, entrar em contato com esta jornada fantástica que é o caminho em direção a si mesmo.

PARA SABER MAIS

Harris, D. “10% mais feliz” Editora Sextante. Rio de Janeiro, 2015.

Williams, M. & Penman, D. “Atenção plena” Editora Sextante. Rio de Janeiro, 2015.

ARTIGOS CIENTÍFICOS

Kuyken W. et al. Mindfulness-based cognitive therapy to prevent relapse in recurrent depression. J Consult Clin Psychol. 2008 Dec;76(6):966-78

Khoury B et al. Mindfulness-based stress reduction for healthy individuals: A meta-analysis. J Psychosom Res. 2015 Jun;78(6):519-28.

Khoury B. et al. Mindfulness-based therapy: a comprehensive meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2013 Aug;33(6):763-71.

Praissman S. Mindfulness-based stress reduction: a literature review and clinician’s guide. J Am Acad Nurse Pract. 2008 Apr;20(4):212-6

Strauss, C et al. Mindfulness-based exposure and response prevention for obsessive compulsive disorder: study protocol for a pilot randomized controlled trial. Trials 2015 16:167Hayes-Skelton, S. et al. A randomized clinical trial comparing an acceptance-based behavior therapy to applied relaxation for generalized anxiety disorder. J Cons Clin Psych, Vol 81(5), Oct 2013, 761-773.

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