O que o Chaves nos ensina sobre Psicologia?

Como eu nasci no Brasil e cresci durante os anos 1990 seria impossível pensar em um mundo em que não existisse Chaves, Chapolin, Dr. Chapatin e tantos outros personagens criados pelo gênio mexicano Roberto Gomes Bolaños (1929-2014), o Chespirito, que faleceu no último dia 29 de novembro de 2014.

Talvez tão grande quanto a genialidade de Chespirito seja também a sua legião de fãs. Por outro lado, há também inúmeras críticas a seu modo simples e ingênuo de fazer humor, como se uma das melhores coisas da vida não fosse justamente a simplicidade do riso puro e inocente.

Inúmeras vezes ouvi críticas de que os programas de Chespirito eram pouco intelectuais e de certo modo eram uma vergonha declarar-se fã ou reassistir inúmeras vezes os mesmos episódios que a maioria de nós brasileiros por volta dos 10 anos já sabe de cor e salteado. Porém discordo veementemente dessa posição e acho que existem muitas mensagens importantes nas histórias de Chespirito, sobretudo, a forma como ele registra e apresenta de forma divertida a cultura mexicana e cria personagens que parecem ter vida própria muitas da vezes.

O motivo principal desse texto é o de homenagear essa pessoa importante que fez parte da minha infância e da infância de inúmeras pessoas que agora choram sua morte. Para isso, resolvi elencar uma série de exemplos de situações que ocorriam principalmente no seriado Chaves e que ilustram alguns conceitos psicológicos. Enquanto eu me formava enquanto Psicólogo da Educação e do Desenvolvimento me lembrava dessas cenas para ilustrar alguns dos conceitos que eu estava aprendendo e por esta razão resolvi compartilhar com vocês.

Resolvi fazer isso para mostrar como a Psicologia é simples e está em todos os lugares. E mais além disso, resolvi escrever para mostrar que a genialidade de Chespirito foi a de extrair da realidade esses pequenos momentos, criando exemplos práticos e engraçados que nós, enquanto psicólogos, professores de psicologia ou futuros psicólogos podemos utilizar também para entender melhor o desenvolvimento infantil.

Utilizando, por exemplo, a teoria de Piaget, podemos classificar Chaves como uma criança no estágio pré-operatório. Piaget não definiu uma idade específica para cada estágio do desenvolvimento. A idade não é o mais importante para mudar de um estágio para o outro, mas sim as possibilidades de ações e interações que a criança tem com o mundo ao seu redor.

No entanto, Piaget afirmou que o estágio pré-operatório ocorre por volta dos 2 aos 7-8 anos. Chaves, Quico, Chiquinha, Nhonho têm aproximadamente 8 anos no seriado e nós podemos ver muitos exemplos de situações em que essas personagens apresentam comportamentos típicos do estágio pré-operatório, como fala egocêntrica, pensamento mágico e intuitivo, animismo, etc. Veja-se abaixo alguns exemplos explicativos:

Fala egocêntrica

No estágio pré-operatório, para Piaget, a fala da criança é centrada em si mesma, ela não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro. Nós podemos observar inúmeros momentos em que Chaves começa a falar sem parar como se ninguém mais estivesse perto dele, mesmo quando pessoas como o prof. Girafales o interrompem.

Vygotsky tem uma posição diferente de Piaget e define a fala egocêntrica como um momento em que a criança fala para si mesma enquanto faz alguma ação, como se narrasse suas próprias ações. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as ideias e planejar melhor as ações e faz parte do desenvolvimento do discurso interior, quando as palavras passam a ser pensadas sem a necessidade de serem verbalizadas.

Um exemplo clássico disso é que muitas das vezes quando Chaves se irrita ele verbaliza “Tudo eu, tudo eu” e começa a repetir o que acabara de acontecer, em uma tentativa de elaborar a situação, de refletir sobre o que aconteceu. Outro exemplo é quando ele começa a falar de ações futuras, planejando o que acontecerá “Ai eu zaz, e zaz,”, no vídeo abaixo você pode ver que apesar de Quico já ter saído de perto, Chaves continua a falar sozinho e planejar.

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Fase dos Porquês

Não é incomum observar que as crianças passam por um período do desenvolvimento em que fazem inúmeras perguntas, algumas delas, inclusive, sem sentido apenas para continuar perguntando. Muitos estudos mostram que quando as crianças desenvolvem mais a sua linguagem, elas começam a interrogar a si mesmas e aos outros sobre como o mundo funciona, como as coisas funcionam, como uma forma de organizar sua própria cognição. Também é comum observar nessa fase as crianças desafiando as regras e questionando, por exemplo, o porquê de horários de ir para a escola, horário de ir para a cama, horário de jantar.

No seriado Chaves vemos inúmeras situações em que as crianças perguntam sobre os porquês, mas talvez a melhor situação para ilustrar pode ser vista no vídeo abaixo em que Quico e Chiquinha discutem:

//www.youtube.com/embed/BE75uQirYBw

Animismo e Antropomorfismo

Uma outra característica de crianças no estágio pré-operatório é que elas atribuem pensamentos, sentimentos e desejos a objetos inanimados como bichos de pelúcia, brinquedos, etc. Animismo se refere a dar vida ao que não é vivo e Antropomorfismo se refere a dar forma humana ao que não possui (como sentimentos a uma brinquedo). Veja no link abaixo uma música da Chiquinha que ilustra isso:

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Pensamento Mágico e Intuitivo

O pensamento de crianças no estágio pré-operatório está ligado às suas próprias percepções e às aparências das situações. É um pensamento que procura explicações mágicas que não necessariamente se baseiam na realidade ou seguem uma lógica.

Existem várias situações em que isso ocorre no seriado, como por exemplo as vezes em que Chaves acredita que alguma situação banal foi em decorrência dos poderes mágicos da Dona Clotilde, a Bruxa do 71. Mas meu exemplo favorito sobre como funciona o pensamento infantil é a inocência com que Chaves evita ser descoberto pela Bruxa do 71 em sua casa, veja no vídeo abaixo.

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Aprendizagem da Leitura

Algumas das cenas mais engraçadas são quando Chaves começa a ler alguma carta ou gibi e sua leitura é vagarosa, pausada e imprecisa, o que gera sempre duplos sentidos como pode ser visto no vídeo abaixo.

Essa situação ilustra muito bem também como as crianças que ainda não têm a habilidade de leitura consolidada usam pistas contextuais para extrair e predizer o significado do que está escrito (saiba mais sobre isso clicando aqui).

//www.youtube.com/embed/jHSdmk8e4qo

Boa noite, Chespirito!

Existem muitos outros exemplos no seriado Chaves, caso você se lembre ou sentiu falta de algum deixe seu comentário abaixo e iremos acrescentando aqui. Para concluir fica aqui uma saudação e agradecimento ao grande Chespirito, que sem querer querendo nos deu muitos exemplos sobre o comportamento infantil e com certeza de uma forma simples e honesta fez muitas gerações rirem e aprenderem também. Afinal, “as pessoas boas devem amar seus inimigos” e “Posso não ter um centavo no bolso, mas tenho um sorriso no rosto e isso vale mais que todo dinheiro do mundo”.

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